Encontrou-me
encontrei-o com o olhar
pediu-me uma bola (pão) com manteiga, menina, a manter as distâncias
mas ele é mais novo do que ele e aquilo soou a manteiga e falsidade
hoje de todos os dias
não queres beber nada, perguntei
não obrigada
bonito, altíssimo, muito bonito
a mão num frangalho
vivo há três anos na rua
(porquê pergunto, sem conseguir perguntar com som)
o medicamento custa mais de dez euros, não ajudam no centro de saúde
bateste com a mão?
não fui mordido por um bicho
estou farto disto
(também eu. pensei.sem dizer)
qualquer dia mato-me
(isso é que não)
Hás de ter pessoas que gostam de ti, a quem ias fazer falta.
Vai ter com elas, digo-lhe.
Desvia o assunto
vai-se embora
obrigada
não foi nada

quase nada
quase quarenta
resumo a minha vida a máquinas de roupa

é fodido, é o que isto é
e no entanto
medo de partir

respira

a respirar
de novo aqui
por entre os músculos retesados de dores várias
deixo-me chorar sem vergonha

o ódio corrói mesmo

corrói

devemos evitar senti-lo

ser

como deixar de pensar que a minha criaturinha vai conhecer um eu tão mal desenhado por mim

ver-me através dela
k enorme pretensão

queria ser outra
para ela amar





.

suspiro e respiro

sorrir com as entranhas ao mais pequeno suspiro da pessoinha
respiro
acreditar que as dores que sinto nos vários musculos que preenchem as minhas costas não vão lá ficar para sempre
respiro
portanto é isto ser mãe

e se eu fizesse o que alguns me fazem a mim



seria tão má pessoa